"A puberdade chegou e pôs tudo de pernas para o ar”; “Não consigo saber quem eu sou. Identificar-me, reconhecer-me, detesto essas palavras, mas são essas que me ocorrem”; “Eu gostaria de ser uma grande louca”; “Vou virar uma mulher. Não nasci no corpo certo e sei disso há muito tempo”; “Não é porque não se está mal num corpo de homem que não se pode ter o direito de ser uma mulher”. “Eu me realizei fisicamente e isso me aprisionou”.

Os impasses próprios à sexualidade, historicamente inscritos, atravessam hoje uma transição em que, para diversas pessoas, trata-se de um “realizar a si mesmo” balizado por assertivas de gênero e de identidade, quase sempre prontas a, paradoxalmente, absorver generalizações e, consequentemente, ideais insolúveis. Nesse contexto, verifica-se que quem padece de uma discordância, ou mesmo incompatibilidade, entre os signos que seu corpo porta e o que vivencia como sua identidade de gênero eventualmente procura um psicanalista. E que este, se ocupa o seu devido lugar, a escuta sem julgar e predicar sobre as identificações e o modo de gozar que lhes são revelados.

Com efeito, assim que uma pessoa se depara com a oportunidade de ter de explicar-se sobre o que lhe ocorre, não há por que o psicanalista decidir em seu lugar, nem dizer o que ela deve fazer. A este cabe, sobretudo, manter a via aberta para que, em face do real da diferença entre dois sexos, cuja relação não é determinada por nenhum programa, manual ou disciplina, ela localize as coordenadas de um mal-estar, a um só tempo, prévio e sempre presente.

Reúnem-se aqui a apresentação e o debate de seis casos clínicos de pessoas afetadas pela questão trans, que não se deixam reduzir a um denominador comum que se refira seja à presença e à conduta do psicanalista, seja à solução encontrada por cada uma delas no decorrer de seu tratamento pela fala. Em conjunto, deixam ver, de maneira cristalina, que a elas mais vale, em lugar de uma certeza, em especial se adquirida num átimo, indiscutível, absoluta, a extração, mesmo incompleta, do que lhes é singular.