Até mesmo Martin Heidegger, um dos maiores filósofos – segundo alguns o maior –, do século passado, sabia dos obstáculos que enfrentamos ao nos aproximarmos do pensamento fenomenológico. Em um belo texto, Meu caminho para a fenomenologia, nos conta de seus esforços iniciais para entender o que era e como se procedia para fazer fenomenologia. Outro alerta acerca dessas dificuldades é encontrado no final do parágrafo sete, na Introdução de Ser e tempo. Aí Heidegger adverte seu possível leitor a respeito da linguagem dura, quadrada e "desprovida de encantos" de Ser e tempo. Justifica isso dizendo que uma coisa é fazer um relato narrativo dos entes, outra é tentar apreender o ente em seu ser. E, segundo ele, para esta última tarefa não faltam apenas palavras, falta também uma gramática.
Acontece que, para a Daseinsanalyse voltada para um atendimento terapêutico, a grande questão humana é enfrentar o próprio ser e será desse enfrentamento que surgirão todos os, assim chamados, problemas psicológicos. Isso significa que, se quisermos compreender esta vertente ligada à clínica, teremos que entender Ser e tempo, pois é nele que se encontra a sustentação ou, como dizemos, os fundamentos do sofrimento psicopatológico humano, assim como da prática que procura cuidar dessa dor.
Bilê Tatit Sapienza tem se dedicado a trazer para perto de nosso entendimento a abordagem fenomenológica e existencial. Neste novo livro, Encontro com a Daseinsanalyse, sua preocupação é mostrar, de maneira clara, como podemos nos apropriar da ontologia fundamental na prática clínica. Por alguns instantes, chegamos a esquecer dos alertas heideggerianos acerca da dificuldade da tarefa, tal a clareza e simplicidade com que a autora se expressa. Recomendamos este Encontro, tanto para o estudante que inicia seus estudos sobre o impacto da fenomenologia-hermenêutica na psicoterapia, como também para o leitor mais especializado. (Carlos Eduardo Freire)