Por mais que João Acácio Pereira da Costa, o Bandido da Luz Vermelha, tenha se tornado o mais famoso criminoso da crônica policial nacional em todos os tempos, a conclusão ao se ler este livro é que quase nada até então se sabia sobre ele. Por um motivo simples: os mais de oitenta processos que correram contra ele na Justiça Criminal de São Paulo, entre 1967 e 1975, aconteceram em segredo por ordem de um juiz, para proteger a honra das mais de cem mulheres de parte das famílias mais ricas da capital paulista, estupradas por ele. Durante mais de meio século, 23 mil páginas dessas ações permaneceram esquecidas. Sobre elas, Gonçalo Junior se debruçou, depois de fotografá-las uma a uma, além de consultar laudos psiquiátricos e entrevistar várias pessoas, inclusive uma vítima que sobreviveu por milagre, depois de levar um tipo a um centímetro do coração e rompeu o silêncio para esta obra. Famigerado! é o relato impressionante e revelador de uma das mentes mais assustadoras e cruéis da história criminal brasileira. Um relato que vai deixar o leitor atordoado.

Bonnie e Clyde. Manson. Machine Gun Kelly. Al Capone. John Dillinger. Gino Meneghetti. Hiroito Joanides. Bandidos que viraram mitos. Criminosos cujas “façanhas” – contadas, recontadas, aumentadas, amplificadas, sensacionalizadas – tornaram-se lendas urbanas.
No Brasil, o mais conhecido e comentado desses meliantes foi João Acácio Pereira da Costa, o Bandido da Luz Vermelha. Imortalizado em um dos maiores filmes do cinema brasileiro, esmiuçado em incontáveis reportagens, Linhas Diretas, programas sensacionalistas de rádio e manchetes do Notícias Populares, virou parte de nosso folclore urbano. Um nome que atravessou gerações.
No livro que você tem em mãos, Gonçalo Junior conta mais que a história de João Acácio, um menino abandonado pela vida e que se vingou dela da maneira que pôde. Conta a transformação de João Acácio em Luz Vermelha, de delinquente em super-herói do mal. E sem nunca idealizar o criminoso ou escorregar para a apologia do crime.
O livro é duro e seco. Os detalhes da vida de João Acácio - a infância miserável, o abandono dos pais, os abusos de todos os tipos, a brutalidade cotidiana, os pequenos furtos e a escalada da magnitude de seus delitos - ajudam a explicar como o menino bonito e carismático virou o monstro que conhecemos.
João Acácio apareceu para o Brasil no fim da década de 1960, época de grandes transformações no país. A ditadura se tornava cada dia mais suja e agressiva, enquanto o Milagre Econômico nos deu um progresso nunca visto. Em cinco ou seis anos, a produção e venda de carros, rádios, TVs e geladeiras se multiplicou. A venda de discos aumentou mil por cento.
O fluxo populacional do campo para as cidades trouxe multidões em busca de uma vida melhor e transformou os grandes centros urbanos, esticando as periferias. O crime começou a crescer. Não é à toa que, entre 1963 e 1968, surgiram o Notícias Populares,O Homem do Sapato Branco, Quem Tem Medo da Verdade e o repórter policial Gil Gomes. Tudo era reflexo do Brasil urbano e cinza que nascia.
Famigerado! traz, por meio dos processos que correram em segredo de justiça, entrevistas, reportagens e descrições de fatos e personagens
da época, um relato abrangente desse período. O leitor é transportado para a São Paulo de 1967, uma cidade que começava a ser atropelada pela realidade. “A fúria e a violência do Bandido da Luz Vermelha mataram todo o romantismo que havia em São Paulo”, diz, logo no início do livro, uma moradora paulistana.
Gonçalo Junior dedicou-se a um relato minucioso dos crimes de João Acácio. As barbaridades se sucedem: roubos, agressões, estupros, facadas, tiros.
Ele era um Jekyll & Hide, simpático e alegre num instante, sádico e violento no seguinte. Qualquer resquício de simpatia que um leitor possa ter pela figura de um bandido lendário desaparece ao ler a descrição dos delitos.
E que vida teve João Acácio: dormindo ao ar livre, cercado pela marginália, vivendo amores proibidos com mulheres e homens e tentando fazer parte da sociedade, mas sempre repelindo e sendo repelido por ela. Na tradição dos grandes livros sobre crimes verdadeiros, Famigerado! conta uma grande história. E o mais impressionante: completamente verdadeira. Como dizia o Notícias Populares:
“nada mais que a verdade”
André Barcinski