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Lendo este belíssimo livro de estreia da poeta Márcia Huber, penso muito nas palavras de Maurice Blanchot: “A errância, o fato de estarmos a caminho sem podermos jamais nos deter, transformam o finito em infinito”. Sempre em trânsito, inclusive entre línguas, Márcia, que hoje vive na Alemanha, moldou uma língua poética própria capaz de tornar maleáveis alguns materiais por vezes duros ao trato da palavra.
Por exemplo: a memória, tão fundamental aqui. Se nos perguntarmos como as tantas lembranças reunidas nos poemas, quase inventário, em lugar de nos parecerem álbum antigo de imagens congeladas, surgem como impulsos dinâmicos, cheios de vida, e como conseguem acabar nomeando sentimentos do presente que nos ajudam a viver e nos compreender melhor, arriscaríamos dizer que é pela compreensão que a autora tem da vida como metamorfose. Transformar o finito em infinito.
A casa da infância existe e não existe mais porque se metamorfoseou em diversas casas e se espalhou por pelo menos dois continentes: “lá em casa se pulverizou em várias casas / como quando de uma mesma árvore / as tábuas são separadas depois da tora”.
As seções dedicadas à mãe e à filha também dão conta de que somos metamorfose, como bem mostrou, há pouco, Emanuele Coccia: “a vida de cada ser vivo não começa com seu próprio nascimento: ela é muito mais antiga.” Nem se extingue com seu final. Transformar o finito em infinito.
Uma epígrafe de Louise Glück diz que “Certa vez olhamos para o mundo, na infância. / O resto é memória.” Citação precisa, mas que para melhor ajuste ao processo criativo de Márcia, modificaríamos para “Certa vez olhamos para o mundo, na infância. / O resto é metamorfose.”
Uma orelha de livro nunca pode dar conta de todos os aspectos de um livro. Gostaria, entre outras coisas, de me dedicar mais a perceber como o gosto pela palavra concreta revelado pela poeta (fibras colágenas, osseína, cupuaçu, uxi, ingá, abiu, taperebá), em choque e contraste com a atmosfera tão diáfana da memória, cria para o livro uma densa presença fantasmal que evoca, às vezes, as vertiginosas atmosferas de Pedro Páramo. Mas uma orelha é do campo do finito.
Disse, mais acima, que Márcia tem uma escrita poética tão maleável que acaba moldando materiais por vezes rígidos. Ao escrever que “há uma água dentro das palavras”, a poeta revela um pouco seu segredo, sua alquimia: sua palavra é fluxo, bebido e espalhado, lábio a lábio, neste extraordinário livro que convida o leitor a penetrar na espantosa região do que não se sabe de si: “há uma água dentro das palavras / há um líquido que cruza o pensamento / a terra e eu bebemos dessa bebida / as coisas que desconheço / flutuam diante da porta / não entro / o que não sei de ti / parece que também não sabes.”
Carlito Azevedo
Nome
O LÁBIO É OUTRO
CodBarra
9786559058396
Segmento
Literatura e Ficção
Encadernação
Brochura
Idioma
Português
Data Lançamento
26/02/2025
Páginas
116
Peso
232,00
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